Desespero & Má fé

O tempo estava um pouco nublado, mas como é raro chover por aqui decidimos enfrentar 54 km de BR101 para mergulhar num recife de coral, próximo a Maxaranguape, através de um certo agente turístico. Engolimos o café da manhã, temendo a alta da maré, o que tiraria toda a graça do mergulho, não queríamos decepcionar aquele olhar com 84 anos de contemplação de vida, isto seria um crime contra o patrimônio cultural da família. Já havíamos pago o passeio (45 reais e mais cinco de taxa ambiental, salgadinho o preço né?), e nos embarcaram numa alucinada correria. Imagine, a minha avó, andando bem devagarzinho, e o pessoal apressando a gente... A próxima cena é comigo toda molhada de chuva, com snorkel na cara e rindo muito de minha filha na mesma situação. Minha avó toda enrolada numa canga, tremendo de frio... A cara que a avozinha fazia! De fazer dó, sabem, os idosos cobram muito da vida, a minha vó embirrou e não desembirrou mais [aquele dia não]. O próximo quadro é um casal com um bebê os três enrolados em cangas, encolhidinhos, ventava e como havíamos apanhado chuva, a sensação térmica é desagradabilíssima, mas nada que se compare àquele sentimento de "fui lesado". É lógico que nenhuma companhia de turismo tem como garantir um dia de sol, mas ao menos o mergulho, opcional, poderiam ter poupado aos idosos e crianças, eis porque chamei esse post de desespero e má fé. Não soube até hoje se nos apressaram o embarque porque estão quase falindo (desespero) ou para evitar que desistíssimos quando a chuva chegasse ao litoral (má fé). Como sou meiga e estou fazendo terapia, irá confortar-me pensar que estávamos tentando alcançar a maré baixa... Chegando na estação flutuante, por sobre os corais, mergulhamos. A água do mar estava quente, eu e filha pulamos n'água tentando sublimar aquela chuva toda. A maré estava bem alta, nos impossibilitando a visão dos fofos dos cavalos marinhos e ouriços de toda cor. Não avistamos nem arraia ou moréia, muito menos lula. Fiquei com vontade de usar um nariz vermelho redondinho plástico, daqueles que os palhaços usam. Foi decepcionante... Eu tentava recuperar minha fé nas qualidades elevadas do ser humano. Refleti que eu seria uma péssima empresária, algumas coisas eu não tenho coragem de fazer por dinheiro: forçar uma senhorinha de 84 anos a embarcar num catamarã, sabendo que a experiência dela ia ser horrível, que ela ia passar frio e poderia até adoecer! E a estratégia dos guias dizendo o tempo todo que eles não mandam no sol, 'se a gente mandasse, só choveria de noite', diziam. "Com licença, vocês já ouviram falar numa coisa chamada previsão do tempo?" Pensei que deveria ter dito isso mas foi melhor não dizer nada, se eu fosse dizer trocaria a expressão 'previsão do tempo' por 'vergonha na cara' e aí sim o passeio estaria estragado de vez, a minha avó ia ficar nervosa e minha mãe preocupada. Este passeio deve ser muito lindo em condições ideais: maré baixa e sol; não confiem nos agentes turísticos, olhem vocês mesmos duas coisas: 1. Tábua das marés; 2. Previsão do tempo, o ideal é sem chuva. O endereço do local é Maxaranguape, RN, Brasil. O acesso é através de Natal e depois van, carro, táxi ou ônibus pela BR 101 em sentido norte. Geralmente a maré está baixa pela madrugada, sobe lentamente até mais ou menos meio dia, desce lentamente até as seis da tarde e sobe novamente, portanto num ciclo de 24 horas ocorrem quatro marés. Bom passeio para vocês, vamos, coragem, levantem desse computador e vão sentir um pouco da maresia nos pulmões, mais sol na pele (com protetor solar), vai lhes fazer muito bem para a vossa saúde.