A crise eufórica

Crise eufórica. Como descrever? Uma sensação onipresente, onipotente e onisciente. A pessoa se sente nada menos que: DEUS. Nada de mal vai te acontecer, você é DEUS. Fica descuidado, confiante. Pega o cartão de crédito e lá se vão R$ XXX (numa única tarde). Sua vida fica em risco. Se não perceber a tempo, vai a vida dos outros também. Seu discurso ganha um tom professoral, você sabe tudo, tem solução pra tudo, tem que falar tudo, se voce não falar o mundo vai perder um grande pensamento! Ficar calado é simplesmente uma tortura... E no treinamento? As pessoas te chamam de "engraçada", "divertida". É, não deixa de ser divertido para os outros. E nos transportes? As pessoas falam com você, você conta a sua vida pra todo mundo. Eu achei estranho, falei para a minha psiquiatra que isto é sociabilidade demais, mas ela disse que não, é da personalidade... Eu não sei, não... Por minha conta, diminui o antidepressivo da manhã, a Dra. A., falou que não tem problema, ela já ia diminuir mesmo. Sobre o risco de vida, aí é que a coisa pega. Se Deus está do meu lado, me protegendo, para que ser cuidadosa? Esta semana que passou eu me senti "com sorte". Comecei a dizer para todo mundo que eu tinha sorte. Os relacionamentos sofrem. O que as pessoas onipotentes fazem com os outros não tão poderosos? Mandam, exigem, repreendem, criticam. Assim foi minha semana com meus filhos e marido. Gritei com os dois, assim seguidinho, no intervalo de dez minutos. Qualidade dos vínculos caiu a nota 4, na escala de zero a dez. O mais interessante e dolorido é a fantasia. A fantasia e a realidade se misturam. As pessoas te falam A, você entende B. Você pensa A e fala B. Uma confusão total. Nós, pacientes do transtorno bipolar, em tratamento, conseguimos pegar estes sintomas da crise e avisar para os outros, conseguindo reverter a situação num quadro estável, diminuindo o antidepressivo ou aumentando o estabilizador de humor. Mesmo assim, é uma coisa torturante tipo assim: Eu: "Oi, como sua roupa é bonita!"[ai eu não acredito que estou falando assim com essa moça que eu não conheço!] Desconhecida: "Obrigada, que gentileza!"[gentileza demais, acho que essa moça é sapatão] Eu:"Hoje em dia uma mulher não pode elogiar a outra que já pensam que é sapatão, ainda bem que não é o seu caso, né?"[é lógico que é o caso dela, que m..., agora deixei a mulher sem graça!] Depois disso segue-se um diálogo interessante, cotidiano, mas o estrago já foi feito, o metrô lotado, todo mundo tendo certeza que eu não sou certa e eu não conseguindo parar de falar (compulsão). Os sentidos físicos intensificam-se fazendo com que os sons, as cores, as sensações tenham um impacto multiplicador no organismo. A vontade que a gente tem é desligar o mundo, para a gente curtir um som do silêncio... Eu coloco os sintomas da euforia nesse blog porque quando estou na crise depressiva tenho vontade de estar na crise eufórica. As consequências da crise eufórica podem ser dramáticas para a família (infidelidade conjugal, acidentes, compulsão por gastos, brigas, tagarelice, comportamento inconveniente), se alguém do transtorno sentir estas coisas me ajude, por enquanto as providências que tomei foram essas: observar, falar com a psiquiatra, reduzir o antidepressivo.